Há algum tempo, eu evito usar o termo “melhores filmes” para ranquear os meus favoritos do ano. Prefiro usar “destaques” ou “favoritos” mesmo porque me parecem mais adequados. Também tem o fato de que é quase impossível ver todos os filmes que entram em circuito durante o ano, seja pelo fator tempo ou porque não estreiam nas salas de Fortaleza. Então as listas deixam a desejar, de alguma forma, por não darem conta de tudo.
Esse ano eu vi 300 filmes, entre curtas e longas-metragens, de diversas nacionalidades, pela primeira vez ou não. Sigo achando que listas falam mais sobre quem as cria do que sobre os próprios filmes, então encaro como um sumário das obras que mais mexeram comigo no decorrer do ano, que estão dentro do tipo de cinema que eu acredito ser mais relevante e/ou inventivo na contemporaneidade. Alguns deles são arriscados em suas propostas de linguagem, fugindo do lugar comum e do conformismo de um cinema careta ou ultrapassado.
Foram considerados os filmes que estrearam comercialmente no Brasil em 2018, seja no circuito de cinema ou em plataformas de streaming. Ainda que tenha sido um ano bom para o cinema mundial, não tive muita dificuldade de escolher os 10 filmes de cada lista de longas-metragens. A possibilidade de citar outras obras que também me parecem relevantes facilita a elaboração dessas listas, na tentativa de dar visibilidade ao maior número de bons filmes possíveis.
Confesso que eu carreguei, durante o ano, a ideia de que “Projeto Flórida”, de Sean Baker, estaria no topo dos meus favoritos. Os motivos são vários. Acredito profundamente no cinema de Baker, que alcança a humanidade máxima de seus personagens, extraindo da linguagem cinematográfica os artifícios mais interessantes para elaborar sua narrativa. É um filme tocante que coloca em evidência os personagens que vivem à margem de uma sociedade desigual, além de falar sobre os afetos que podem surgir mesmo dentro desse contexto de exclusão.
O cinema contemporâneo tem se preocupado cada vez mais em trazer à tona as questões políticas que vivemos hoje. Não à toa, consigo enxergar que os meus dez filmes favoritos falam sobre isso de alguma forma. Chang-dong e Kurosawa se utilizam de metáforas próprias para falar, respectivamente, sobre a crueza do ser humano e o fim do mundo. Estrada estreia em longas-metragens com o filme mais importante do ano sobre racismo e opressão. Del Toro e Anderson realizam obras peculiares sobre a natureza humana, os medos e os afetos. Brechner olha para a ditadura do passado para falar sobre o presente. Pinho discute as relações de trabalho e a falência do capitalismo. Legrand faz um drama sobre relações abusivas que pode ser visto muito bem como um filme de horror. Todos trazem inquietações sobre a humanidade, problematizando-a sem mostrar soluções fáceis para os nossos problemas.
CINEMA ESTRANGEIRO
1. Projeto Flórida (EUA), de Sean Baker
2. Em Chamas (Coreia do Sul), de Lee Chang-dong
3. Antes que Tudo Desapareça (Japão), de Kiyoshi Kurosawa
4. Ponto Cego (EUA), de Carlos López Estrada
5. A Forma da Água (EUA), de Guillermo Del Toro
6. Trama Fantasma (EUA), de Paul Thomas Anderson
7. Uma Noite de 12 Anos (Uruguai/Argentina/Espanha), de Álvaro Brechner
8. O Dia Depois (Coreia do Sul), de Hong Sang-soo
9. A Fábrica de Nada (Portugal), de Pedro Pinho
10. Custódia (França), de Xavier Legrand
Outros destaques (em ordem alfabética):
A Câmera de Claire (França), de Hong Sang-soo; Bodied (EUA), de Joseph Kahn; Cam (EUA), de Daniel Goldhaber; Hereditário (EUA), de Ari Aster; Ilha dos Cachorros (EUA), de Wes Anderson; Infiltrado na Klan (EUA), de Spike Lee; Jogador Nº 1 (EUA), de Steven Spielberg; Lazzaro Felice (Itália/Suíça/França/Alemanha), de Alice Rohrwacher; O Motorista de Táxi (Coreia do Sul), de Hun Jang; O Outro Lado do Vento (França/Irã/EUA), de Orson Welles; O Sacrifício do Cervo Sagrado (Reino Unido/Irlanda), de Yorgos Lanthimos; O Terceiro Assassinato (Japão), de Hirokazu Kore-eda; Roma (México), de Alfonso Cuarón; Shirkers – O Filme Roubado (EUA), de Sandi Tan; Um Lugar Silencioso (EUA), de John Krasinski; Visages, Villages (França), de Agnès Varda e JR, e Western (Alemanha/Bulgária/Áustria), de Valeska Grisebach
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Ainda que tenha sido (mais) um ano desagradável para o cinema brasileiro autoral, massacrado pelo circuito exibidor restrito aos blockbusters, tivemos obras essenciais para compreender as inquietações dos nossos realizadores. Dutra e Rojas se juntam novamente em uma obra que vai além de um filme de monstro para fazer uma crítica social dura sobre a intolerância; Parente e Lima falam sobre ausência e morte em produção rodada na França, e Almeida traz novas camadas para o cinema de terror brasileiro. Pizzi encanta com a sutileza dos dramas familiares, enquanto Uchôa e Dumans mostram a saga do trabalhador brasileiro marginalizado. Matzembacher e Reolon discutem exposição virtual e sexualidade em uma obra extremamente sedutora, enquanto Rosa e Nicácio se arriscam em romper parâmetros ao oferecer uma nova forma de contar uma história simples. Benício traz de volta o texto de Nelson Rodrigues, que tanto faz sentido nos dias de hoje. Pessoa e Ramos fazem trabalhos exemplares de pesquisa e montagem documental, com uma ligação infinita sobre a crise ética e moral do nosso País.
CINEMA BRASILEIRO
1. As Boas Maneiras (Brasil/França), de Marco Dutra e Juliana Rojas
2. Benzinho (Brasil/Uruguai), de Gustavo Pizzi
3. A Misteriosa Morte de Pérola (Brasil/França), de Guto Parente e Ticiana Augusto Lima
4. Arábia (Brasil), de Affonso Uchôa e João Dumans
5. O Animal Cordial (Brasil), de Gabriela Amaral Almeida
6. Tinta Bruta (Brasil), de Felipe Matzembacher e Marcio Reolon
7. Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava (Brasil), de Fernanda Pessoa
8. Café com Canela (Brasil), de Ary Rosa e Glenda Nicácio
9. O Beijo no Asfalto (Brasil), de Murilo Benício
10. O Processo (Brasil), de Maria Augusta Ramos
Outros destaques (em ordem alfabética):
A Destruição de Bernardet (Brasil), de Claudia Priscila e Pedro Marques; Aos Teus Olhos (Brasil), de Carolina Jabor; Baronesa (Brasil), de Juliana Antunes; Canastra Suja (Brasil), de Caio Sóh; Diamantino (França/Brasil/Portugal), de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt; Ex-pajé (Brasil), de Luiz Bolognesi; Legalize Já – Amizade Nunca Morre (Brasil), de Johnny Araujo e Gustavo Bonafé; O Nó do Diabo (Brasil), de Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhésus Tribuzi; Pela Janela (Brasil/Argentina), de Caroline Leone, e Piripkura (Brasil), de Bruno Jorge, Marina Oliva e Renata Terra
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Não tem como falar sobre cinema brasileiro sem citar a intensa produção de curtas-metragens, projetados em mostras e festivais de cinema no decorrer do ano. Os curtas ultrapassaram o simples espaço de experimentação e alcançaram o próprio espaço de criação e renovação da linguagem audiovisual. Bom mesmo é ver tantas mulheres produzindo obras elogiadas pela crítica, rodando festivais nacionais e internacionais e interferindo nos modos de ver da sétima arte. No Ceará, os curtas também passam por um ótimo momento, especialmente com o incentivo das escolas de Cinema e Audiovisual que funcionam no Estado. São obras particulares que buscam estabelecer, em seus discursos, ligações com o cotidiano, a partir da visão de jovens realizadores.
CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS
1. Guaxuma (PE), de Nara Normande
2. Mesmo com Tanta Agonia (MG), de Alice Andrade Drummond
3. Inconfissões (RJ), de Ana Galizia
4. Kris Bronze (GO), de Larry Machado
5. Boca de Loba (CE), de Bárbara Cabeça
6. Maré (BA), de Amaranta Cesar
7. Imaginário (SP), de Cristiano Burlan
8. O Órfão (SP), de Carolina Markowicz
9. Reforma (PE), de Fábio Leal
10. Plano Controle (MG), de Juliana Antunes
CURTAS-METRAGENS CEARENSES
1. Boca de Loba (CE), de Bárbara Cabeça
2. Teto (CE), de Darwin Marinho
3. Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno (CE), de Leon Reis
4. Blwarh: Navegando no Deserto (CE), de Levi Magalhães
5. Escafandro (CE), de Carol Morais
6. A Milésima Segunda Noite (CE), de Ariel Volkova e Taís Augusto
7. Sudestino(s) (CE), de Germano de Sousa
8. Maria Maculada (CE), de Bruno Bressam e Leão Neto
9. A Gênese de Cima: Uma História Não Escrita (CE), de Jhonatan Freitas
10. Nego Tem que se Virar (CE), de Mike Dutra
Diego Benevides é jornalista, crítico de cinema, curador e pesquisador audiovisual. Mestrando em Comunicação na linha de Fotografia e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pesquisa sobre cinema cearense, graduou-se em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Desde 2006 atua como crítico de cinema na mídia impressa e digital. É fundador e presidente da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine) e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Pela Abraccine, participou como autor dos livros 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016), Documentário Brasileiro – 100 Filmes Essenciais (2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (2018), lançados pelo Canal Brasil e pela Editora Letramento. Veja a bio completa.
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