Simone_

Quando se trata de sexualidade, o cinema é especialista em explorar as diversas nuances do tema. Seja por meio de estereótipos ou bandeiras levantadas, nem sempre adequadas, seja por histórias de amor casuais, cineastas do mundo inteiro tentam universalizar a temática, que nunca perde a atualidade. O cineasta colombiano Juan Zapata, radicado em Porto Alegre (RS) desde 2004, passou sete anos para realizar “Simone”, sua primeira ficção, que entra em circuito limitado nos cinemas nacionais.

A trama, inspirada em fatos reais, conta a história de uma mulher que tomou uma decisão: após anos de relacionamento com outras mulheres, resolve se envolver com um homem pela primeira vez. No papel principal está Simone Telecchi, atriz que serviu de estudo para Zapata desenvolver o roteiro. Ao tê-la como protagonista, elementos “documentais” se misturam com os ficcionais, trazendo mais sustentabilidade aos dramas explorados em cena. A carga emocional da personagem se mistura nos olhos da Simone verdadeira, sendo natural e aceitável que ela questione, muitas vezes internamente, suas dúvidas sobre o longo relacionamento com Cris (Natalia Mikeliunas) ou sobre a paixão por Pedro (Roberto Birindelli).

O principal trunfo do filme é a eficiente montagem de Nathália Silva e Kiko Ferraz. No decorrer dos 72 minutos de projeção, o longa entrelaça diferentes momentos da vida de Simone com Cris e Pedro. A estratégia faz com que não necessariamente importe com quem a protagonista vai ficar no final, já que mostra a universalidade do amor independente do gênero. Zapata não quer discutir qual relação é a mais correta, até porque não existe, nem mesmo levantar bandeiras ou inocentar seus personagens. O cineasta sabe que, com o potencial da sua história, atinge outros níveis bem mais interessantes no decorrer da narrativa, como as possibilidades do amor, a liberdade sexual e a coerência (ou falta dela) das paixões que surgem na nossa vida.

O trio de atores está em perfeita sintonia, com destaque especial para a uruguaia Natalia Mikeliunas. O magnetismo de Cris é avassalador, não apenas pela beleza da atriz, mas pela densidade da personagem. Cris é o tipo da mulher que ama demais, que tem medo de ficar sozinha e perder o seu referencial, que no caso é Simone. As duas se conheceram no teatro e estabeleceram uma relação que se transformou em amor. Depois de anos de convivência, o desgaste é inevitável. Para Simone. Cris ainda acredita que as pequenas coisas podem apimentar uma relação longa, mas talvez ela esqueça que é preciso de dois para formar um.

Já o Pedro de Roberto Birindelli representa o novo em todos os sentidos. Colega de trabalho que entrou na vida de Simone há pouco tempo, ele também traz o desejo pelo corpo masculino, que até então não tinha despertado em Simone. Com medo de perdê-lo, ela omite sua trajetória ao lado de mulheres e de Cris, para que seja possível essa vivência extraordinária. Birindelli jamais aparece como vilão, sendo um bom homem e, muitas vezes, nos fazendo torcer por ele. Mas a verdade é que a história não toma partido, nem mesmo pela própria Simone. Talvez por isso falte um pouco mais de definição durante o terceiro ato, que deixa soltas demais as arestas que a personagem abriu durante o filme inteiro. A jornada interior precisa ser minimamente exteriorizada também.

Juan Zapata, em sua primeira experiência com ficção após dirigir documentários como “Fidelidad”, “A Dança da Vida” e “Em Branco”, comanda a trama com sutileza, sempre auxiliado pelas direções de fotografia e arte delicadas. Existe uma humanidade em tudo que é jogado na tela, fugindo do que é aleatório dentro da temática da sexualidade. Existe paixão, um pouco de Pedro Almodóvar ou de François Ozon. Existe um diretor que usou muito bem o tempo que dispôs para elaborar “Simone”. Dessa forma, o resultado é um filme sensível que abre as possibilidades não apenas para o amor, mas para tudo que interfere nas nossas emoções.

Avaliação: 8/10

Texto originalmente publicado no Cinema com Rapadura.

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