Hollywood convencionou um estilo de animação geralmente de alta qualidade técnica e narrativa que, além de trazer aquelas lições de sempre, tenta divertir o público, tanto infantil quanto adulto. Porém, animações estrangeiras como Persepolis e Valsa com Bashir surpreenderam nos últimos anos por mostrar abordagens diferenciadas no gênero. O mesmo não acontece com O Reino Gelado, até porque ele não se propõe a isso. Longe de ser uma comédia besteirol para os pequenos, a animação russa é uma aventura inocente e que algumas vezes se torna assustadora. Nem por isso é competente ao que se propõe.
O roteiro, inspirado livremente no conto A Rainha da Neve, de Hans Christian Andersen, autor de A Pequena Sereia e“Fantasia, narra a trajetória de Kai e Gerda, que perderam os pais muito novos. Eles moram no mesmo orfanato e não demoram muito para descobrir que são irmãos. Os laços seriam retomados não fosse a chegada de um troll, que tem a missão de capturar Kai e levar para a Rainha, que transformou a cidade em neve e tem um plano para o garoto. Gerda parte em uma jornada para encontrar Kai, que foi parar no castelo da Rainha. No caminho, bem ao estilo road movie, ela encontra personagens que ajudam ou atrapalham seu objetivo, que é recuperar o seu irmão em um confronto final com a vilã.
As motivações dos personagens não são bem estabelecidas. Gerda descobre ser dotada de poderes mágicos, mas nunca sabemos ao certo os motivos para isso. O troll, que é um personagem essencial para auxiliar a garota em sua jornada, logo deixa claro que pode virar um aliado. O passado do Rainha poderia ser um grande trunfo na trama, mas acaba se resumindo a um pequeno flashback no qual o público espera conhecer mais as razões que a levaram para ter transformado a cidade em gelo, porém o roteiro passa superficialmente por um ponto que seria interessante. Resta apenas a simpatia do furão de estimação de Gerda…
A positividade e a bondade de Gerda chegam a irritar. Ela é uma Poliana, que jamais vê maldade nos outros, mesmo que eles sejam visivelmente empecilhos. Dessa forma, não existe possibilidade de Gerda crescer como ser humano no universo do filme. Ela apenas quer encontrar o irmão, não necessariamente evoluir ou aprender. É compreensível que ela seja construída dessa forma para levar pureza aos olhos da criançada que assistir ao filme, mas o roteiro quase nega uma vida onde os desafios são realmente complicados de vencer, ao mesmo tempo que pinta a Rainha como invencível. Contrapontos mal resolvidos.
Com um script pouco inspirado, os diretores Vlad Barbe e Maksim Sveshnikov tentam contornar tais fragilidades. Eles têm boas ideias para mostrar a grandiosidade dos cenários, com câmeras rápidas e planos ousados. Os cineastas aproveitam para explorar o belo visual da animação, situando com clareza o tempo e o espaço da narrativa. Ponto positivo para a trilha sonora do desconhecido Mark Williot, que dáo tom de fábula necessário, sendo um elemento narrativo essencial para não levar a aventura de Gerda ao completo desinteresse.
Os efeitos visuais chegam a impressionar, com destaque para o ataque de neve e para o tele transporte dos protagonistas. Entretanto, a técnica tridimensional não auxilia em nada ao filme, sendo inclusive esquecida do segundo para o terceiro ato. O que também prejudica o ritmo da animação é a montagem, que interfere na relação entre ações paralelas da trama, que padece em cortes secos e emparelhamento de sequências desconexas. Não basta ter bons diretores, é preciso que a equipe técnica esteja em sintonia para criar um produto final compatível com o mercado.
Sem muita pretensão e tomado por uma inocência além do limite, O Reino Gelado acerta no visual dos cenários, ainda que deslize no design quadrado da Rainha, mas perde força ao relatar a história. A aventura, que daria um interessante live action, perde na dinâmica dos personagens e em suas motivações. Assim, se transforma em entretenimento razoável para a criançada, mas que deve ser esquecida facilmente.
Texto originalmente publicado no Cinema com Rapadura.
Avaliação: 5/10