Em 2004, o cineasta húngaro István Szabó realizou seu último filme mais conhecido pelo público, Adorável Júlia. Dois anos depois, rodou o pouco conhecido Rokonok e agora chega aos cinemas com Atrás da Porta, estrelado pela vencedora do Oscar Helen Mirren, uma das atrizes mais respeitáveis do cinema. Inspirado na obra de Magda Szabó, o cineasta conta uma história intrigante que tenta expor as mais profundas motivações de seus personagens, mas se perde em uma execução falha.
Na trama, a bela Martina Gedeck interpreta Magda, uma escritora que está envolvida com seu novo livro e precisa de uma doméstica para desempenhar as funções básicas de sua casa, onde mora com o marido Tibor, papel de Károly Eperjes. Magda conhece a vizinha Emerenc (Mirren), uma mulher solitária e rabugenta que se dispõe a prestar seus serviços. A partir daí, surge uma amizade controversa. Enquanto Magda tenta lidar com o temperamento de Emerenc, esta guarda segredos em sua residência, local completamente proibido de ser frequentado, e um passado sofrido.
O roteiro, de responsabilidade do próprio diretor, estabelece uma promissora relação entre essas duas mulheres. A antítese estabelecida é curiosa e imprevisível, já que Emerenc vira objeto de observação de Magda, inspirando-a a escrever, enquanto a senhora quebra a estabilidade da autora. Os segredos de Emerenc despertam curiosidade e sua forma amarga de ver o mundo é bem disposta pelo talento indiscutível de Helen Mirren. As duas atrizes assumem com muita propriedade seus papéis, confrontando-os e, principalmente, transformando-os em personagens multidimensionais. Ainda que Emerenc beire o insuportável, é interessante vê-la em momentos mais delicados, enquanto Magda, uma mulher boa e sensível, pode ser cruel.
Se a relação entre elas tinha tudo para gerar um bom filme, István Szabó parece desconfortável ao conduzir o longa. Ainda que tenha tentado reproduzir Budapeste da metade do século XX com um tom clássico, o diretor mais parece que comanda uma novela mexicana, com planos mal desenvolvidos e uma montagem irregular, na qual as elipses fazem pouco sentido. Fica a impressão de que, nas mãos de um cineasta mais autêntico, o longa teria tudo para render um drama psicológico impecável. Por outro lado, Szabó acerta na variação da fotografia, entre tons mais quentes que gradativamente sofrem com a passagem das estações da trama, e na trilha sonora incidental.
Do segundo para o terceiro ato, quando os mistérios que cercam a casa de Emerenc caminham para a revelação, cenas desnecessárias não compensam a bobagem que ela guarda atrás da porta. Tudo bem que o filme, apesar de ser intitulado assim, não fala exatamente sobre esse segredo. Nos minutos finais, um diálogo de Magda revela bem as intenções da trama, que é justamente abordar as relações pessoais, como desconhecidos entram na nossa vida e ganham nossa relevância, ou mesmo como os traumas podem ser uma sina. As duas são personagens tristes, por mais que Magda tenha sucesso e Emerenc consiga estar em paz dentro de casa, fora do mundo exterior.
Assim, constata-se que o conteúdo da obra original tem potencial para um bom drama, porém Szabó parece ter preguiça em construir algo mais contundente, que não perca o ritmo e não se sustente apenas nas atuações que dispõe. Ao levar o espectador ao passado, Szabó esquece de compor uma narrativa atrativa para os dias de hoje. “Atrás da Porta” vale pela química entre Martina Gedeck e Helen Mirren, que tentam contornar as falhas do diretor. Existe profundidade no texto original, que dá margem a várias leituras sobre essas duas mulheres fortes, mas vulneráveis, só faltou uma condução decente.
Texto originalmente publicado no Cinema com Rapadura.
Avaliação: 6/10