Crítica | O Apartamento (2016), de Asghar Farhadi

apartamentoAvaliação: 2.5/5

Depois de vencer o Oscar em 2012 pelo excelente “A Separação”, o cineasta iraniano Asghar Farhadi teve outro trabalho premiado como Melhor Filme Estrangeiro no Oscar desse ano. Trata-se de “O Apartamento”, seu novo drama sustentado em conflitos familiares atuais que testam a humanidade de seus personagens.

Dessa vez, Farhadi opta por uma estrutura narrativa mais clássica, a partir do olhar do personagem Emad, interpretado por Shahab Hosseini. Ele e a esposa são obrigados a mudar de apartamento após uma ameaça de desmoronamento.

Ao encontrar um novo lar, a esposa Rana, papel de Taraneh Alidoosti, tem a casa invadida por um desconhecido. O acontecimento vai abalar a relação entre o casal, com os vizinhos e com os possíveis suspeitos da violência.

O longa-metragem dialoga com os ótimos e recentes “Elle”, de Paul Verhoeven, e “O Silêncio do Céu”, do brasileiro Marco Dutra, ao abordar as consequências de uma agressão para a vítima no cenário onde vive. O medo e o silêncio são partes do processo de reabilitação do trauma, enquanto a desmoralização parece inevitável.

Roteiro
A diferença de “O Apartamento” é que o desenrolar da trama demora muito para acontecer e parece não conseguir se desligar de conceitos religiosos e familiares tradicionais. A piedade de Rana em relação ao seu agressor não se comunica muito bem com o desejo de vingança de seu marido.

Isso acaba indo contra o que Farhadi mais sabe fazer, que é colocar em diálogo os conflitos morais dos personagens enquanto elabora novas camadas para o problema inicial do filme.

Ainda que o filme reconheça a sociedade machista atual, inclusive pelas motivações do próprio protagonista durante a narrativa, a trama se restringe ao convencional, perdendo uma ótima oportunidade de discutir e denunciar o tema, assim como aconteceu com mais clareza nos filmes de Verhoeven e Dutra.

Por outro lado, Farhadi continua um diretor primoroso na condução do filme. Especialmente no terceiro ato, o cineasta traz sequências repletas de suspense que são bem-vindas, apagando o começo morno do longa-metragem, sustentado em uma tentativa de metáfora com as encenações da peça “A Morte de um Caixeiro Viajante”, que permeia parte da obra e às vezes soam forçadas.

As melhores referências, no entanto, são aquelas que podemos tirar do perigo de desabamento do apartamento, da falta de segurança nas ruas e do julgamento das pessoas de fora, nada além do óbvio.

Farhadi conta com o talento impressionante do ator Shahab Hosseini, que transita entre as variadas sensações de seu personagem, indo do desprezo pela mulher à ira ao agressor dela. Ao insistir em uma história naturalista, o diretor e o elenco aproximam o público de uma sociedade que vive de autocríticas, mas não resiste às tentações.

Em “O Apartamento”, o lugar da vítima é silencioso e ancorado pelo olhar masculino, como se a mulher não pudesse lutar pelo seu corpo de forma legítima. Estamos em uma época onde a arte discute o que acontece ao nosso redor. A cautela que algumas obras ainda preservam, no entanto, podem prejudicar a experiência crítica de visão de mundo.

Publicado originalmente pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.

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