Crítica | Ferrugem (2018), de Aly Muritiba

Ferrugem, Aly Muritiba, crítica

Avaliação: 3/5

Grande vencedor do Festival de Gramado 2018, “Ferrugem” é o novo longa-metragem do cineasta curitibano Aly Muritiba, responsável pelo ótimo “Para Minha Amada Morta” (2015). Em cartaz desde o dia 30 de agosto nos cinemas brasileiros, o drama ganha sessão especial em Fortaleza nesta terça-feira (4), no Cinépolis RioMar Fortaleza, seguida de debate com o ator Giovanni de Lorenzi.

Agora imerso na vida dos adolescentes, Muritiba discute a exposição na internet. A trama é dividida e duas partes. A primeira é focada em Tati, interpretada Tiffanny Dopke, vítima do vazamento de um vídeo íntimo que se torna o assunto mais comentado da escola. Por mais suspeitos que tenha, ela não tem um caminho para resolver o seu problema. Os pais aparentemente ausentes amplificam a solidão daquela menina que viu o mundo desabar de uma hora para outra e virou alvo de um crime virtual.

Com a moral abalada, Tati é motivo de chacota, enquanto seu companheiro de vídeo sofre bem menos ofensas públicas do que ela, um retrato bastante vivo de uma sociedade misógina que ainda cultua a preservação do “macho”. A segunda parte é focada em Renet, papel de Giovanni de Lorenzi, interesse romântico de Tati. Ele não é a “estrela” do vídeo vazado, mas sofrerá algumas consequências do que aconteceu com a colega de sala. Falar mais do que isso sobre a trama pode prejudicar a experiência narrativa elaborada por Muritiba.

Inicialmente, Muritiba e a corroteirista Jessica Candal se preocupam em retratar o mundo de aparências que a internet proporciona. Os compartilhamentos, a exposição desenfreada e os memes estão lá para dialogar com uma realidade não apenas da vida dos adolescentes, mas de qualquer usuário da grande rede. Os celulares se tornaram imprescindíveis para possibilitar essa conectividade coletiva, mas também podem ser uma arma se utilizados de forma irresponsável (aliás, os cartazes do filme representam isso de forma certeira).

Ferrugem_still_1Ainda na primeira parte, o roteiro sugere mais as motivações que levam a essa conduta de exposição da intimidade dos outros (e a carnificina que isso causa dentro de uma comunidade) do que busca seus culpados. Tati vira uma atração de circo em um cenário que já é naturalmente opressor. Em seguida, a história prioriza uma investigação que se desenrola mais fora de cena e planta algumas dicas do que pode ter acontecido até que alguém possa ser responsabilizado tudo. As duas partes elaboram uma dinâmica própria, especialmente pelo desenvolvimento de um tom mais sombrio que vai se revelando durante a trama, ainda que poucas soluções sejam apresentadas para o assunto central.

É interessante que tanto os pais ausentes de Tati quanto os pais desalinhados de Renet revelem camadas questionáveis sobre paternidade, questionando a forma como eles trataram, tratam e irão trarar os filhos. Não que o filme os culpabilize por tudo que acontece com os protagonistas, mas fica clara a intenção de discutir as rupturas afetivas que são comuns nas estruturas familiares. Hoje a vida acontece muito rápido, inclusive por conta do fácil acesso à internet, e se torna quase impossível ter o controle total do que o outro está fazendo.

Ainda que Muritiba seja um realizador sempre inspirado (a última cena da primeira parte prova isso), talvez falte um pouco mais de energia em uma trama que propõe refletir sobre o nosso tato diante do outro. Ao mesmo tempo que aqueles personagens parecem ser nossos próprios familiares, eles estão distantes demais de nós por conta de uma apatia que nem sempre funciona em cena.

Assim como os bons “Aos Teus Olhos” (2017), de Carolina Jabor, e “Com Amor, Simon” (2017), de Greg Berlanti, também lançados esse ano e que discutem, cada um da sua forma, o assédio descontrolado nas redes sociais, “Ferrugem” tem o papel político de problematizar essa terra sem lei que é a internet, espaço onde as pessoas se sentem propriedades das outras, além de questionar as nossas próprias funções sociais e morais como indivíduos. Ponto positivo também para a exposição de uma cultura machista que ainda está enraizada, mesmo com tantas lutas sendo evidenciadas nos últimos anos e que buscam se legitimar em tempos difíceis de opressão.

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