Crítica | Birdman (2014), de Alejandro González Iñarritu

Birdman, de Alejandro González Iñarritu

Avaliação: Excelente

A indústria do entretenimento é esmagadora. Tem muita gente querendo entrar, mais gente ainda lutando para permanecer em alta e poucos estabelecidos. Nem todo mundo pode ser uma Meryl Streep, por exemplo. Michael Keaton interpretou Batman duas vezes, em 1989 e 1992, colhendo a “glória” em uma época em que filme de super-herói não dava aos montes. Depois, a carreira instável trouxe até bons filmes, mas nada que o destacasse no mainstream. A escalação para viver o papel central de “Birdman” traz uma ironia proposital, pois é justamente nesta posição que ele se encontra ao interpretar Riggan.

Independente disso, Alejandro González Iñarritu constrói uma trama que toca em várias feridas, não apenas no que diz respeito ao starsystem cada vez mais frágil. As referências ao mundo pop, aos próprios filmes de heróis e a necessidade suprema de reconhecimento estão presentes. Fala também sobre a passagem do tempo, já que todos ali, jovens ou não, estão em crise existencial em relação ao que fazem. Aborda o poder teatral, às vezes escondido atrás do cinema enquanto arte, e sobre uma Broadway que resiste com seus espetáculos luxuosos. Cutuca a crítica de arte, muitas vezes incompreendida, mas que nem sempre tem profissionais competentes que não se coloquem antes da obra. Discute o papel familiar em detrimento do sucesso, da conquista de algo que o dinheiro pode comprar: o ego.

Enquanto Riggan luta com vozes imaginárias e pensa ter super poderes, o astro tenta montar um espetáculo que não parece tão interessante assim, mas que, por ter investido dinheiro e talento nele, visualiza que essa é a sua tacada final. É a última chance que ele tem de se mostrar relevante para o público, para a imprensa e para ele mesmo. No meio do seu caminho estão Mike (Edward Norton), um ator difícil de lidar; sua filha Sam (Emma Stone), que acabou de sair da reabilitação, e as memórias de um passado de sucesso. Estaria ele pronto para dias conturbados ou a loucura seria o único caminho inevitável disso tudo?

Tantas abordagens jamais se perdem ou parecem forçadas. A fluidez da trama, não apenas pela deliciosa aventura de Iñarritu ao simular um plano sequência do começo ao fim, amarra a atenção do espectador. É quase um orgasmo da linguagem cinematográfica, onde a mise-èn-scéne é tão belamente orquestrada que nos deixamos enganar por ela. A trilha sonora é um destaque extra, que conduz o espectador ao universo conturbado do protagonista e dá um toque de glamour no meio do caos.

A persona de Riggan é bem conduzida por Michael Keaton, que finalmente parece ter conseguido o papel da sua vida. Preso à memória de Birdman, ele sabe que pode colaborar mais com a arte, mas tudo quer impedir que isso aconteça. A química de Keaton com o elenco, principalmente com Edward Norton, rende diálogos memoráveis que refletem sobre o preço e os limites do sucesso. Destaque também para Emma Stone, que tem um grande momento em cena, justificando suas indicações às grandes premiações, e quebra suas limitações como atriz. Naomi Watts repete a parceria com Iñarritu, sendo mais um deleite na trama.

Em tempos em que a indústria cinematográfica se mata por um grande sucesso de bilheteria com suas intermináveis franquias, adaptações e reboots, “Birdman” não se posiciona contra isso, mas mostra que existe uma crise. Irônico que seja um dos filmes favoritos da temporada, com a Academia reconhecendo as obras mais autorais e independentes no Oscar, deixando um pouco de lado o quase intangível mercado das grandes produções. “Birdman” é uma grande produção, mas que não esquece as origens artísticas de seu autor e mostra que existem excelentes filmes no meio de tantos heróis indestrutíveis, robôs megalomaníacos e franquias sem fim que tentam condicionar o público a um único tipo de cinema.

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