“Big Jato”, de Claudio Assis
Um dos assuntos mais comentados durante a 48ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que terminou na última terça-feira (22), foi a seleção irregular dos longas-metragens. Dos 130 inscritos, seis foram para a mostra competitiva, sendo pelo menos três deles praticamente impossíveis de premiar, como foi observado pelas escolhas do júri oficial. Os prêmios principais, no total de 12, foram divididos basicamente entre o pernambucano “Big Jato”, de Claudio Assis, e o paranaense “Para Minha Amada Morta”, de Aly Muritiba.
O filme de Muritiba se destacou nas categorias técnicas (montagem, direção de arte e fotografia, além de direção e atriz e ator coadjuvantes), mas incoerentemente não foi eleito o melhor filme do ano. Os jurados renderam-se, não apenas pelas poucas opções, a “Big Jato”, que levou melhor filme, ator, atriz, roteiro e trilha sonora. Entre vaias e aplausos, Claudio Assis teve outra chance de responder os xingamentos durante a cerimônia de encerramento, saindo vitorioso em um ano que não foi dele, independente das polêmicas.
“Fome”, de Cristiano Burlan, faturou com dois troféus: som e prêmio especial do júri para a performance de Jean-Claude Bernardet. Dos três ignorados – com toda razão – pelos jurados, o documentário “Santoro – O Homem e sua Música”, de John Howard Szerman, acabou encontrando espaço na Mostra Brasília, onde também competia, e levou três prêmios. O Festival possui uma mostra de produções locais, mas sempre tenta encaixar um representante brasiliense na competitiva principal.
Faz certíssimo ao valorizar a produção regional, mas quando o critério de seleção é apenas esse em detrimento da qualidade da obra, tudo se torna questionável. “Santoro – O Homem e sua Música” é um retalho de desagradáveis erros de formato e pesquisa. Por mais que a vida do músico e maestro Claudio Santoro tenha muito a ser explorada, Szerman apela para a abordagem piegas, cuja qualidade cinematográfica é inexistente.
O mesmo pode ser dito de “Prova de Coragem”, ficção de Roberto Gervitz que saiu sem prêmio algum. Estrelado por Mariana Ximenes e Armando Babaioff, o longa jamais engrena e sofre com a falta de química, ritmo e contundência do roteiro. Sorte mesmo teve “A Família Dionti”, filme carioca dirigido por Alan Minas que, pelo menos, conseguiu o título de melhor longa na opinião do júri popular. Uma boa consolação.
“Quintal”, de André Novais Oliveira
Curtas-metragens
Se os longas deixaram a desejar em relação ao que se espera do Festival de Brasília, os curtas tiveram um desempenho superior. O mineiro “Quintal”, de André Novais Oliveira, cativou público e especialistas, faturando os prêmios de melhor curta, atriz e roteiro. A trama acompanha um casal que enfrenta uma rotina comicamente comum, com uma pitada de ficção científica.
Destaque também para “A Outra Margem” (MS), de Nathália Tereza, que faturou os prêmios de melhor direção e melhor curta na opinião da crítica. A trama acompanha um agroboy em busca de descobrir e controlar seus sentimentos por uma garota. A preciosidade do curta está não apenas em sua realização impecável, mas por jogar um olhar feminino na vida de um homem aparentemente impenetrável, além de usar a música como condutor narrativo dos sentimentos do protagonista. Ao agradecer o prêmio, a cineasta falou sobre a representatividade feminina no cinema brasileiro, em um dos momentos mais bonitos da noite de premiação.
“História de uma Pena”, de Leonardo Mouramateus
Cearenses
Esse ano, um curta e um média cearenses competiram em Brasília. “Cidade Nova”, de Diego Hoefel, faturou o Candango de melhor ator para João Campos, na pele de um jovem que volta à sua cidade natal. A melancolia da inadequação do protagonista naquele espaço supostamente familiar explora os silêncios entre ele e a cidade, por meio de um trabalho exigente de construção de personagem.
O média “História de uma Pena”, de Leonardo Mouramateus, saiu com o prêmio especial do júri. O filme investiga a relação entre um professor e seus alunos durante uma aula de poesia. Surpresa é o filme ter sido ignorado, por exemplo, na categoria de montagem, tão importante para o seu excelente desempenho. De toda forma, “História de uma Pena” se encaixa na linha crescente de qualidade da filmografia do jovem cineasta, que representa parte do bom cinema que o nosso Estado tem desempenhado nos últimos anos.
LISTA COMPLETA DOS FILMES PREMIADOS
FILME DE LONGA METRAGEM – Júri Oficial
Melhor Filme de longa metragem – R$ 100.000,00
Big Jato, de Cláudio Assis
Melhor Direção – R$ 20.000,00
Aly Muritiba, por Para Minha Amada Morta
Melhor Ator – R$ 10.000,00
Matheus Nachtergaele, por Big Jato
Melhor Atriz – R$ 10.000,00
Marcelia Cartaxo, por Big Jato
Melhor Ator Coadjuvante – R$ 5.000,00
Lourinelson Vladmir, por Para Minha Amada Morta
Melhor Atriz Coadjuvante – R$ 5.000,00
Giuly Biancato, por Para Minha Amada Morta
Melhor Roteiro – R$ 10.000,00
Hilton Lacerda e Ana Carolina Francisco, por Big Jato
Melhor Fotografia – R$ 10.000,00
Pablo Baião, por Para Minha Amada Morta
Melhor Direção de Arte – R$ 10.000,00
Monica Palazzo, por Para Minha Amada Morta
Melhor Trilha Sonora – R$ 10.000,00
DJ Dolores, por Big Jato
Melhor Som – R$ 10.000,00
Claudio Gonçalves e Flávio Bessa, por Fome
Melhor Montagem – R$ 10.000,00
João Menna Barreto, por Para Minha Amada Morta
Prêmio Especial do Juri
Jean-Claude Bernardet, por Fome
FILME DE CURTA OU MÉDIA METRAGEM – Júri Oficial
Melhor Filme de curta ou média metragem – R$ 30.000,00
Quintal, de André Novais
Melhor Direção – R$ 10.000,00
Nathália Tereza, por A Outra Margem
Melhor Ator – R$ 5.000,00
João Campos, por Cidade Nova
Melhor Atriz – R$ 5.000,00
Maria José Novais, por Quintal
Melhor Roteiro – R$ 5.000,00
André Novais, por Quintal
Melhor Fotografia – R$ 5.000,00
Leonardo Feliciano, por À Parte do Inferno
Melhor Direção de Arte – R$ 5.000,00
Fabiola Bonofiglio, por Tarântula
Melhor Trilha Sonora – R$ 5.000,00
Sérgio Pererê, Carlos Francisco, Gabriel Martins e Pedro Santiago, por Rapsódia para o Homem Negro
Melhor Som – R$ 5.000,00
Léo Bortolin, por Command Action
Melhor Montagem – R$ 5.000,00
Pablo Ferreira, por Afonso é uma Brazza
Prêmio Especial do Júri (Pela feliz conjugação entre o trabalho de direção e atuação coletiva):
História de uma Pena, de Leonardo Mouramateus
PRÊMIOS DO JÚRI POPULAR – para os filmes escolhidos pelo público, por meio de votação em cédula própria:
Melhor Filme de longa metragem – R$ 40.000,00
A Família Dionti, de Alan Minas
Melhor Filme de curta ou média metragem – R$ 10.000,00
Afonso é uma Brazza, de Naji Sidki e James Gama
PRÊMIOS – TROFÉU CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL – JÚRI OFICIAL
Melhor Longa-Metragem – R$ 80.000,00
Santoro – o Homem e sua Música, de John Howard Szerman
Melhor Curta-Metragem – R$ 30.000,00
A Culpa é da Foto, de Eraldo Peres, André Dusek e Joedson Alves
Melhor Direção – R$ 6.000,00
John Howard Szerman, por Santoro – o Homem e sua Música
Melhor Ator – R$ 6.000,00
Davi Galdeano, por O Outro Lado do Paraíso
Melhor Atriz – R$ 6.000,00
Simone Iliescu, por O Outro Lado do Paraíso
Melhor Roteiro– R$ 6.000,00
Marcelo Müller, Ricardo Tiezzi, José Rezende Jr. e André Ristum, por O Outro Lado do Paraíso
Melhor Fotografia – R$ 6.000,00
Lelo Santos, por O Escuro do Medo
Melhor Montagem – R$ 6.000,00
Armando Bulcão, por Alma Palavra Alma
Melhor Direção de Arte – R$ 6.000,00
Beto Grimaldi, por O Outro Lado do Paraíso
Melhor Edição de Som– R$ 6.000,00
Alessandro Laroca, Armando Torres Jr. e Eduardo Virmond, por O Outro Lado do Paraíso
Melhor Captação de Som– R$ 6.000,00
Toninho Muricy, por O Outro Lado do Paraíso
Melhor Trilha Sonora– R$ 6.000,00
Alessandro Santoro, porde Santoro – O Homem e sua Música
Troféu Câmara Legislativa do Distrito Federal – Júri Popular
Melhor filme de longa metragem: R$ 20.000,00
O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum
Melhor filme de curta metragem: R$ 10.000,00
Ninguém Nasce no Paraíso (Matriz Proibida), de Alan Schvarberg
PRÊMIO ABCV – ASSOCIAÇÃO BRASILIENSE DE CINEMA E VÍDEO
Conferido pela ABCV – Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo a profissional do audiovisual do Distrito Federal
Homenagem ao ator Gê Martu
PRÊMIO CANAL BRASIL
Cessão de um Prêmio de Aquisição no valor de R$ 15 mil e o troféu Canal Brasil, ao Melhor filme de curta metragem selecionado pelo júri Canal Brasil.
Filme: Rapsódia para o Homem Negro, de Gabriel Martins
PRÊMIO EXIBIÇÃO TV BRASIL
O título premiado integrará a programação da emissora.
Melhor filme de longa metragem – R$ 50 mil
Filme: Santoro – o Homem e sua Música, de John Howard Szerman
MARCO ANTÔNIO GUIMARÃES
Conferido pelo Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro para o filme que destaca o uso de material de arquivo e de pesquisa cinematográfica.
Filme: Santoro – o Homem e sua Música, de John Howard Szerman
PRÊMIO ABRACCINE – O Prêmio da Crítica
Por fazer o retrato sensível de uma solidão usando a música como condutor narrativo dos sentimentos, humanizando um personagem a princípio duro e impenetrável, o Júri Abraccine concede o Prêmio da Crítica de melhor curta-metragem a A Outra Margem, de Nathália Tereza.
Por construir através de imagens potentes o ressentimento e a obsessao de seu protagonista e pela construcao de uma crescente tensao dentro de cada plano do filme, o Júri Abraccine concede o Prêmio da Crítica de melhor longa-metragem a Para Minha Amada Morta, de Aly Muritiba
PRÊMIO SARUÊ – (20º Prêmio Saruê) – Confeccionado pelo artista Francisco Galeno e definido, em votação, pelos integrantes do jornal Correio Braziliense, o troféu é dedicado ao melhor momento do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Entre fissuras de uma seleção de filmes, inicialmente impecável, e vaias questionáveis, mas bem-vindas – enquanto manifestação; o Festival, aos 50 anos, perpetua o viés político. E é no templo, ou melhor, na Igreja – como identificou Walter Carvalho, ao falar do Cine Brasília — que nós, da equipe do Correio, celebramos a existência da diversidade. Independente de méritos artísticos, um discurso potente e qualificado conquistou os ouvidos dos espectadores de Copyleft. Pelo conteúdo embasado e tocante, RODRIGO CARNEIRO, seu discurso merece o Saruê.
O texto foi originalmente publicado pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.
O autor esteve em Brasília a convite do Festival.