48ª Mostra SP | Takeru Ozaki e a construção de Conduzindo Seus Pássaros (2024)

Satoshi Inagawa encabeça o elenco de Conduzindo Seus Pássaros (2024), de Takeru Ozaki, que teve estreia mundial na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

 

Exibido em première mundial na Competição Novos Diretores da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o drama Conduzindo Seus Pássaros (Leading Your Birds, 2024) é o segundo longa-metragem do diretor japonês Takeru Ozaki, que esteve no Brasil para as sessões programadas pelo festival.

A obra acompanha a vida de dois irmãos, Seita e Azumi, que viajam para uma casa no interior do Japão por motivos diferentes. Seita é um músico que passa por um bloqueio criativo, e espera que a viagem e a aproximação com a natureza o ajude a retomar a sua rotina de trabalho. Já Azumi é uma garota que se comunica por língua de sinais e aguarda a chegada do namorado.

Enquanto Seita começa a ouvir os sons que Azumi faz dentro de casa, a garota passa a recordar os bons momentos de infância que eles tiveram naquela casa. Entre as temáticas exploradas por Ozaki estão a comunicabilidade, o bloqueio criativo e a irmandade entre dois jovens que se reaproximam da natureza. Como não poderia ser diferente, Ozaki elabora um filme com muitos detalhes e apuro estético, para discursar sobre o poder tanto das imagens quanto do som no cinema japonês contemporâneo. Entre as referências mais notáveis do realizador estão filmes de Jim Jarmusch e Yasujirō Ozu.

Diretor Takeru Ozaki

Acompanhe o bate-papo que tivemos com o diretor durante a Mostra SP (em inglês, traduzido livremente para o português):

DB: Conduzindo Seus Pássaros é um filme que discute comunicação, bloqueio criativo e relacionamentos pessoais. A construção dos dois personagens é bastante rica porque oferece recursos espontâneos baseados na personalidade dos dois personagens principais. Gostaria de saber qual é sua relação com a língua de sinais e como ela surgiu como uma ferramenta central para o roteiro do filme.

TO: Acho que talvez eu tenha três razões, três pontos pelos quais escolhi usar língua de sinais. Primeiro, o ator principal Inagawa Satoshi, que interpreta Seita, é um CODA. Seus pais são surdos e ele é tipo o meu melhor amigo. Quero dizer, aprendemos a fazer filmes na universidade e tivemos muito tempo para viver juntos, então eu sei que ele é CODA e sei que ele pode usar sinais de mão como primeira língua para ele. E então minha ideia era que talvez os sinais seriam uma boa maneira de compor sua atuação, ajudando a expressar seus sentimentos. O segundo ponto é que a atriz que interpreta Azumi queria aprender as técnicas dessa linguagem. Ela não sabia antes do filme. No começo do projeto, nós três decidimos que os dois atores aprenderiam algo para fazer o filme, então Inagawa queria aprender música e Tanaka queria aprender língua de sinais. Esse é talvez o grande ponto do porquê usamos sinais de mão. E o último ponto, eu estava morando em Nova York então eu posso falar inglês e também japonês então eu tenho duas línguas. E eu pensei que a língua de sinais é tão importante assim quanto japonês e inglês. Eu falo inglês na frente dos americanos, mas quando eu chego em casa eu falo japonês. Eu acho que há uma diferença enorme. Você sabe que eu “finjo” sobre mim mesmo na frente dos americanos ao falar inglês, mas quando eu chego em casa eu falo japonês. Eu falo japonês para expressar o meu eu natural, então eu acho que há uma distância e eu tinha eu tinha me interessado sobre esse ponto. Inagawa e eu podemos usar duas línguas, então eu acho que para mim essa língua é uma das maneiras de fazer a diferença entre o japonês e o inglês. Seita usa os sinais e o japonês. No começo do filme, ele fala japonês em Tóquio, mas depois que ele se muda para o interior do Japão, ele encontra sua irmã e começa a usar o sinal de mão novamente. Talvez o sinal de mão para ele seja como sua verdadeira pureza natural. Queríamos expressar a diferença entre as duas línguas. E como isso pode mudar a personalidade. Pode me fazer expressar melhor para a outra pessoa. Esse é o ponto que é o que eu queria.

DB: Este é seu segundo longa-metragem e acho que há um rigor interessante na concepção desta narrativa. Cinematografia, edição e som em si parecem bem articulados para comunicar as intenções do roteiro. Então, eu gostaria de saber como seu processo criativo funciona e quais referências cinematográficas você valoriza nesta jornada.

TO: O meu primeiro foi uma espécie de filme de formatura no Japão, na universidade em Kyoto. Vários cineastas ensinam na faculdade e eu aprendi muito e assisti a muitos filmes. Eu descobri que a coisa importante para fazer um filme é que não há nada perfeito em um filme, mas temos que trazer à tona algo como perfeito, sim. Então, você sabe que não há perfeito, mas queremos chegar perto porque existe uma linha próxima, eu acho. Para mim, o mais importante é como fazer um filme mais próximo da perfeição. Eu enquadro o roteiro e as imagens que quero obter. Eu contei as imagens que eu queria para minha equipe, e quando começamos a filmar, adoramos o processo. Nós apreciamos também o que acontece de repente nas gravações. Quando chegamos às montanhas, havia um cronograma, mas havia uma obra de engenharia acontecendo, e eles fizeram muito barulho, então precisamos mudar o cronograma. Nós sentimos que precisamos fazer isso muito rápido. Claro que fiquei um pouco estressado, mas depois que filmei, senti que era muito mais sobre compartilhar juntos a imaginação e a criatividade naquele único tempo, mesmo que isso tenha nos estressado. Minha equipe é da mesma universidade, então podemos nos comunicar bem. O importante é não desistir, e reservar um tempo para descansar também. Devo agradecer a toda a minha equipe. Mas também nos preparamos muito, muito, muito, compartilhamos as imagens. Eu tive alguns momentos de filmagem. A primeira foi na montanha, uma montanha enorme que muitas pessoas vão até lá talvez porque estão cansadas da cidade. Depois começamos a filmar apenas pássaros. A primeira filmagem durou uma semana e a segunda, três dias. Tive sorte. Tivemos tempo para pesquisar e preparar a equipe. É um filme de baixo orçamento. Um filme independente puro. Não tínhamos muito orçamento, então a equipe sabia dessa situação e me ajudou muito. Todos foram pagos e eu queria pagar mais. Eu queria dar algo volta para a equipe também, então queria manter a oportunidade de todos expressarem suas ideias. Começamos o projeto em 2022, e a filmar em junho de 2022, e tivemos muito tempo para esperar pelo orçamento. E então começamos a filmar novamente em Tóquio, em abril de 2023. Depois disso, começamos a editar. Enquanto isso, começamos a filmar pássaros. Poder filmar alguns tipos de pássaros foi como um milagre, mas a edição decidiu não usar no filme. E eu concordo com isso, então, mas ela me sugeriu usá-los para o começo.

Conduzindo Seus Pássaros (2024), de Takeru Ozaki

DB: Conduzindo Seus Pássaros é um filme bonito e delicado sobre fraternidade. Seita e Azumi se encontram em um momento de crise criativa para um deles, no qual memórias familiares do passado também ressurgem. Fiquei impressionado com o humor que existe entre eles, especialmente da personagem Azumi. Como você chegou a esse título?

TO: O título em japonês, Toriwomichibiku. é uma espécie de visão de Seita, eu acho. Ele pode ver os pássaros e os sons. Mas também em inglês Leading Your Birds eu acho que há uma diferença de visão que talvez seja a visão de Azumi. Eu pensei que essa é uma mudança seria interessante. O título em japonês é muito conceitual, mas em inglês podemos descobrir quem vai observar os pássaros, quem pode liderar, então eu amo essa diferença. Sobre referências, primeiro de tudo devo dizer Jim Jarmush. Minha obra-prima é Estranho no Paraíso. No meu primeiro filme, que fiz na universidade, eu estava concentrado para fazer algo original, mas esse segundo é o que eu queria fazer, consciente de quem são meus anteriores. O primeiro título era O Casamento da Minha Irmã, mas nós mudamos. Era o tipo de história de casamento. Eu acho que esse é o conceito que a família primária vai mudar. Estou muito feliz que Azumi fez engraçado no filme e eu acho que esse é todo o ponto de charme de [Shiho] Tanaka. Eu não consigo imaginar outro elenco neste filme. E ela pode ouvir, mas eu entendo que a ideia da surdez deve ser interpretada por pessoas surdas. Eu entendo, mas também queremos nos comprometer com esse mundo de fora, eu quero compartilhar os personagens principais com as pessoas surdas também. Eu realmente queria fazer uma versão universal. Para mim, Seita é o tipo de pessoa que parece com quem sou eu. Azumi é talvez outra pessoa. Então, eu queria mostrar um personagem muito egoísta, enquanto ela quebra a parede com seu ronco, sim, que eu acho muito engraçado.

DB: Como tem sido sua passagem pelo Brasil? O que você sabe ou conseguiu aprender sobre o cinema brasileiro?

TO: Eu quero responder a essa pergunta mais tarde. Eu quero ver alguns filmes no festival, tem um que se chama Bicho Monstro [de Germano de Oliveira]. Essa é a minha primeira vez visitando o Brasil e fiquei surpreso que as árvores são tão grandes e os cachorros também são grandes. As pessoas aqui têm uma energia forte, têm a mente aberta. Posso dizer talvez eu mude quando voltar ao Japão. Eu vi Cidade de Deus [de Fernando Meirelles] há muito tempo, foi o meu primeiro filme do Brasil. Do meu ponto de vista, fiquei chocado com o mundo abordado no filme. Talvez eles estejam discutindo a sociedade, mas há uma história forte no filme sobre fraternidade e amizade e eu pensei que, nesse sentido, é muito próximo como o mangá japonês, algo entre Akira e Naruto. Há uma amizade ali, uma fraternidade, e eles querem aceitar um ao outro, mas eles rejeitam, então a tragédia vai acontecer. Acho que existe algo parecido entre o Brasil e o Japão, eu vi isso em Cidade de Deus. Aqui, na Mostra, eu transitei por jovens cineastas que também fazem filmes. Eles são de gerações muito, muito jovens. A geração jovem e os jovens cineastas ajudaram o festival a existir, mas no futuro talvez eles sejam os diretores e as referências. Eu tive um forte impacto das gerações jovens de cineastas brasileiros, que sabiam muito sobre cinema e me perguntaram sobre realizadores japoneses, como [Yasujirō] Ozu e [Kiyoshi] Kurosawa. Sinto que os brasileiros têm grandes expectativas sobre o cinema feito no Japão.

 

Filme visto na programação da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro/2024.

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