Crítica | Oppenheimer (2023), de Christopher Nolan

Em determinada cena de Oppenheimer, o protagonista é chamado de “Prometeu americano”, em referência livre ao popular mito grego. A alcunha, que remete a uma citação da abertura do filme, conduz a proposta de Christopher Nolan para biografar J. Robert Oppenheimer, físico talentoso que ficou conhecido por seu papel na criação da bomba atômica. Uma das possíveis interpretações do mito é a de que Prometeu teria roubado o fogo do Olimpo para presentear a Humanidade, despertando a fúria divina. A obra do pintor alemão Heinrich Friedrich Füger (1817) relembra a conquista de Prometeu, que empunha uma tocha na mão direita e carrega um ar de heroísmo diante do céu.

O título também remete ao premiado livro que serviu de base para o roteiro solo de Nolan, American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer (2005), de Kai Bird e Martin Sherwin, que remonta a trajetória do “o pai da bomba atômica” que teve sua lealdade posteriormente contestada por grupos militares do governo norte-americano que o associavam ao partido comunista. Se por um lado Prometeu é um herói, J. Robert Oppenheimer é um patriota que está a serviço da nação durante a Segunda Guerra Mundial. Seu talento teórico o leva a comandar uma equipe encarregada pelo desenvolvimento de armas nucleares. É a partir de um jogo verborrágico que Nolan conta essa jornada épica ambientada em um momento histórico de crise que culminou no ataque às cidades de Hiroshima e Nagasaki, o primeiro bombardeio nuclear da história.

Dessa forma, são muitos os personagens que entram e saem de cena nas inacabáveis três horas de duração do longa-metragem, mas poucos cravam relevância narrativa junto ao protagonista, interpretado com rigidez por Cillian Murphy. O roteiro deixa faltar espaço para o desenvolvimento psicológico do elenco, que mais se movimenta como um jogo de xadrez apático na narrativa. Os diálogos são sempre acentuados por uma trilha sonora literalmente incansável no sublinhamento das emoções, não dando espaço para que o público tenha liberdade para juntar as pontas e participar do desenrolar dos fatos. As informações são oferecidas com rapidez e se acumulam sem muito critério, como quem se atropela porque precisa correr para o que realmente importa: a criação da bomba e seus desdobramentos éticos e políticos.

Nolan opta pela redução no tom de suas recorrentes pirotecnias visuais que aqui surgem pontualmente no decorrer da trama, quase sempre em planos fechados estilizados para dar espaço máximo ao texto que, convenhamos, não é a sua melhor especialidade. Aliás, o cineasta é incapaz de elaborar papéis femininos de relevância, deixando nomes como Emily Blunt e Florence Pugh fadadas à submissão de relações afetivas decadentes. Até quando Blunt consegue um momento importante de tela, como testemunha do interrogatório, o diretor parece se satisfazer com pouco do enorme potencial dramático da atriz.

Algo semelhante acontece com a participação previsível de Rami Malek que, quando finalmente revela sua função no enredo, não tem impacto suficiente para amarrar a narrativa como supostamente deveria. Já Robert Downey Jr. se desconecta da imagem de super-herói e finalmente encara um novo projeto com a grandeza que parecia enterrada no quintal de sua casa ou engolida por uma lógica de mercado saturada. Destacam-se em quinto plano nomes como Matt Damon e Josh Hartnett, além da caricatura simpática de Tom Conti para Albert Einstein.

A montagem de Jennifer Lame, que colaborou com Nolan em Tenet (2020), faz o que pode com as temporalidades propostas pelo roteiro. Falta criatividade para a elaboração do conceito do filme, que acaba optando por estratégias batidas como a fotografia recorrente em preto e branco e a maquiagem de época para ordenar e pontuar os vários momentos históricos que estão em diálogo. Depois da primeira hora, já não faz diferença quando acontecem os fatos porque a montagem não dá conta de significar essas transições. O que há de mais efetivo dos elementos técnicos é o desenho de som, que não deixa de ser um recurso inquestionável na filmografia de Nolan e se potencializa na experiência imersiva do IMAX. A atenção aos detalhes sonoros  faz a diferença em um filme que se perde em escolhas mornas.

O desafio principal de Oppenheimer é manter o interesse pelo que falam tantos homens brancos, indolentes e bem pagos que regozijam conhecimento, criatividade e privilégios em prol da nação. O protagonista, vítima de um esquema político, se sente culpado pelo sangue que carrega nas mãos até que possa, finalmente, ser reconhecido por sua lealdade (letalidade?). Se há algo de interessante que Nolan aproveita desse momento de lançamento nas salas comerciais é a discussão sobre o desenvolvimento ético e bélico da tecnologia, como tem sido abordado com vigor a utilização da inteligência artificial para criar novas narrativas (novas armas), mas que fica na sombra da necessidade de discutir o amor ao país nos tempos do cólera.

 

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Diego Benevides é jornalista, pesquisador, crítico e curador de cinema. Membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e sócio-fundador da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). Doutorando e Mestre em Comunicação pelo Instituto de Cultura e Arte (ICA) da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM/UFC), com estudos sobre cinema brasileiro na linha de pesquisa Fotografia e Audiovisual. Saiba mais.

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