O início de uma amizade
O cinema comercial norte-americano tem trabalhado, em sua maior parte, na chave da nostalgia para levar o público ao cinema. O anúncio de um longa-metragem em live-action que explora o universo multicultural de Pokémon chegou com poucas surpresas, a não ser pela novidade de que o Pikachu, símbolo máximo dos monstrinhos de bolso, seria um detetive falante. A desconfiança cercou a boa parte da produção que, no fim das contas, não chega a ser um desastre, ainda que os problemas do roteiro, escrito a oito mãos, não empolgue tanto.
Isso porque “Pokémon: Detetive Pikachu” parece ter um compromisso bem maior com o público infantil do que com os jovens adultos que já estão familiarizados com a história, o que não impede que eles também sejam contemplados durante a experiência do filme. Até mesmo o que pode ser considerado fan service acaba se diluindo na narrativa de forma natural e que pode surpreender pelos gatilhos ativados a partir da mitologia já conhecida desse universo.
A trama deixa de lado o treinador Ash Ketchum, da cidade de Pallet, para focar na busca de Tim Goodman (Justice Smith) pelo pai que desapareceu. No meio do caminho, Tim precisa se acertar com um Pikachu falante (voz de Ryan Reynolds) para que o mistério seja resolvido. No cenário do filme, humanos e monstrinhos convivem pacificamente, como verdadeiros companheiros, longe de batalhas de ginásio ou grandes caçadas, mas essa paz pode estar ameaçada por um vilão com desejos inescrupulosos no poder dos Pokémon.
O passado turbulento de Tim fez com que ele não tivesse muito apego aos bichinhos, mas sua nova relação com Pikachu acaba despertando, mais uma vez, sua empatia por eles. Vale dizer que, para além das batalhas que os Pokémon podem travar, toda a história original criada pela equipe de Satoshi Tajiri explorava questões extremamente humanas entre homens e monstros, chamando atenção para o cuidado e a proteção, de ambas as partes, no meio da ambição dos inimigos.
A história de Tim não empolga tanto quanto o desenho de produção do longa-metragem. É visível a preocupação com a concepção visual de cada monstrinho, inclusive aqueles que aparecem andando pelas ruas, em segundo plano. Podemos observar os movimentos perfeitamente calculados de cada um deles, bem como a precisão do acabamento da equipe de arte da obra. É um filme que tem pesquisa e cuidado com o acabamento, respeitando um histórico cultural e midiático acumulado depois de mais de duas décadas.
Tim e seus companheiros de cena são carismáticos, mas parecem meio perdidos sobre o que precisam fazer para resolver os mistérios que envolvem o superpoder do Mewtwo. Aliás, o roteiro presenteia o público com o retorno do um Pokémon lendário que também protagonizou o primeiro longa-metragem de Pokémon, também dando uma atenção maior à primeira geração de monstrinhos (a sequência com o Mr. Mime é impagável!), sem excluir outros mais recentes.
A história opta pela simplicidade, mas deixa passar alguns caminhos que o longa poderia ter tomado. A equipe de vilões não é ameaçadora, especialmente porque o roteiro perde a oportunidade de criar uma abordagem um pouco mais política sobre as relações de poder e ganância que existem ali. Assim, o texto prefere ser mais controlado e oferecer diversão para a plateia no lugar de criar uma contextualização mais profunda. Não é um problema em si, é uma escolha aparentemente voluntária de, por enquanto, não avançar muitas casas dentro daquele universo, de tatear o que é possível fazer com tantas opções.
Saindo melhor do que a encomenda, ainda que não seja um grande filme, “Pokémon: Detetive Pikachu” tem carisma e diverte sem pretensão de saciar completamente os desejos dos jovens adultos, preocupando-se também com o novo público infantil. A direção de Rob Letterman, experiente em animações como o ótimo “Monstros vs. Alienígenas”, é essencial para captar esse tom mais sereno. A nostalgia está ali, mas ela caminha para vários lados e alguns deles podem até surpreender pela forma com que o roteiro tenta repensar ou preservar o imaginário em torno dos Pokémon. É um filme que, acima de todos os erros, tenta existir pelo coração que as imagens podem tocar.