Review | Branco Sai, Preto Fica (2014), de Adirley Queirós

Branco Sai

Uma das características do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro que não se perdeu após 47 edições é a forte presença do público. Mais do que isso, a consideração dos cinéfilos brasilienses com as produções locais. Sendo assim, não foi surpresa ver a sessão de “Branco Sai, Preto Fica”, de Adirley Queirós, lotar o Cine Brasília e ser aclamado. O que poderia ser considerado bairrismo, na realidade é o que falta em vários eventos do tipo: aqui temos agitadores culturais que valorizam os seus. Festivais têm perdido cada vez mais plateia e realizadores insatisfeitos com o formato desses eventos nem sempre se interessam em exibir suas obras em casa.

Muito além dessa questão, o longa de Adirley Queirós traz certo frescor para a cinematografia contemporânea. Não por uma inventividade natural ao abordar a violência e o preconceito, mas por se posicionar de uma forma bastante peculiar. A trama se passa em Ceilândia, maior periferia de Brasília. O roteiro mostra dois homens negros que foram vítimas da polícia racista da Capital Federal. Um DJ cadeirante de garagem e um rapaz sem que perdeu a perna recontam suas histórias com um tom de fábula, poupando tempo com lamentos para provocar um futuro mais decente.

A truculência da invasão policial em um clube noturno na década de 80 deixou esses homens com sequelas eternas, não apenas físicas. Sendo assim, a liberdade de improviso e a abertura do roteiro beneficiam principalmente a performance de Marquim da Tropa, premiado como melhor ator do Festival. Em praticamente todas as suas cenas, ele carrega um poder peculiar dentro da trama. Entretanto, outros personagens não têm a mesma sorte. Brincando de ficção científica, o diretor insere um homem viajando no tempo. Isoladamente, a esquete funciona por sua carga social, mas dentro do contexto narrativo parece avulsa.

Entre os longas exibidos em Brasília, “Branco Sai, Preto Fica” foi o melhor representante do hibridismo entre ficção e documentário, que foi recorrente na mostra competitiva. A liberdade de criar um filme que reflete sobre a fragilidade da vida, independente da cor da pele, traz momentos preciosos. Também é possível se sentir incomodado não apenas com a brutalidade da polícia dentro da periferia, mas por ser doloroso ver aqueles rapazes danificados pela injustiça, mas que não se deixam frustrar pela nova realidade que enfrentam.

Existe um problema no longa que é comum quando se tenta recortar ou esticar demais as metáforas. Em certo momento, o ritmo fica prejudicado pelas constantes revisitações dos conflitos. Uma trama um pouco mais enxuta ajudaria o longa a entrar na lista das produções impecáveis. Ainda assim, é preciso coragem para realizar uma obra desta magnitude narrativa, principalmente pela identificação com que o público, não só brasiliense, sente com os personagens. É impossível ficar indiferente com aquelas histórias, que ainda trazem momentos delicadíssimos de emoção e humor pelas sátiras políticas estabelecidas pelo cineasta. Pelo desempenho, o longa foi o grande premiado do Festival.

O filme fez parte da programação do 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2014. Crítica adaptada a partir de texto publicado pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.

Avaliação: 8/10

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