Gabriel Mascaro, nome representativo do cinema pernambucano, competiu no Festival de Brasília com “Ventos de Agosto”, exibido recentemente no Festival de Locarno. Enquanto Marcelo Pedroso, que participou com “Brasil S/A”, se utilizou de alegorias demais para refletir sobre o Brasil, Mascaro elabora um filme mais específico em sua proposta de pensar a morte. Em termos narrativos, era o que eu particularmente estava esperando na programação do evento, principalmente vindo de uma produção de Pernambuco. Experimentar novas sensações é bastante importante para manter a produção do estado ativa e em constante renovação. Falar o mais do mesmo não é mais adequado.
A trama acompanha dois jovens que vivem em uma pacata ilha de pescadores. A rotina é alterada quando um pesquisador de ventos aparece no local para registrar os sons dos alísios na zona de convergência intertropical. A leveza da trama pode até esconder sua profundidade, principalmente por se aproveitar de gêneros como a comédia e um leve terror, mas as intenções de Mascaro estão claras. Além de falar sobre o corpo humano com uma precisão valiosa, ele reflete sobre esses mesmos corpos que estão destinados a serem engolidos pelo mar e lembra que lidar com a morte ainda é um dos principais desafios de quem vive.
Abraçando o caráter antropológico, o diretor mostra costumes e crenças, e estabelece bem a relação entre os moradores da ilha, principalmente após a aparição do pesquisador de ventos, interpretado pelo próprio Mascaro, que guia o público por espaços a serem explorados na região. A atuação de Dandara de Morais é magnética, principalmente quando está sozinha em cena. Ao lado de Geová Manoel dos Santos, que interpreta o personagem Jeison, os dois estabelecem uma química sedutora meio aos conflitos do vilarejo.
As pontas soltas foram propositais, segundo o diretor. Existem vários filmes dentro deste, o que nem sempre é adequado mesmo no cinema independente. É preciso ter pleno controle da história que precisa ser contada e sobre como as lacunas podem ser preenchidas, no caso de serem abertas. Mas no caso de “Ventos de Agosto”, a comunicação criada com o público não entra em conflito e é possível se relacionar e criar em cima da obra do autor. O longa também é belamente filmado, ainda que peque ao disfarçar pouco a dublagem de alguns personagens, fazendo com que isso tire a imersão em determinadas sequências.
A fotografia de Mascaro é o destaque, seja registrando os corpos entre os dois personagens após o sexo em um caminhão de cocos ou tornando o vento imagético. Como o próprio vento leva, a vida também passa em um piscar de olhos. Quando menos esperamos, passamos da validade e o que importa, no fim da vida, é o que cada um deixou de importante para quem ama.
O filme fez parte da programação do 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2014. Crítica adaptada a partir de texto publicado pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.
Avaliação: 8/10