A influência do cinema paraguaio no panorama mundial não é tão significativa, ao contrário do modelo americano que serve de exemplo para algumas cinematografias, seja em narrativa ou em estética. Em 2012, Juan Carlos Maneglia e Tana Schembori lançaram “7 Caixas”, suspense policial que logo se tornou o maior sucesso de bilheteria do Paraguai. O motivo para o resultado é justamente a inspiração no cinema hollywoodiano, cuja narrativa confronta-se aos poucos para falar sobre a sociedade do espetáculo e a indústria do entretenimento.
A trama se passa no Mercado 4, onde o jovem Victor (Celso Franco) trabalha como carregador de mercadorias, ajudando os fregueses para ganhar alguns trocados. Quando sua irmã o mostra um celular de última geração, que traz câmera fotográfica e filmadora, Victor fica obcecado pela ideia de poder se filmar e aparecer na televisão, assim como os atores dos grandes romances que assiste. Sem dinheiro para se dar ao luxo de ter um aparelho como esse, ele aceita transportar sete caixas misteriosas de um frigorífico, com a esperança de ganhar uma nota rasgada de 100 dólares. A partir daí, Victor começa a ser perseguido pelas estreitas ruas do Mercado 4, sem saber que o que transporta pode colocar a sua vida em risco.
O roteiro desenvolvido pelos dois diretores ao lado de Tito Chamorro brinca com os gêneros. Se o drama desperta os conflitos do protagonista, eles logo transformam a trama em um suspense policial dos melhores, tendo espaço também para inserir o humor e a farsa. Victor é um jovem inocente, mas determinado a passar por tudo que acredita para se livrar do problema em que entrou e, consequentemente, ganhar o dinheiro. No seu caminho aparecem a jovem Liz (Lali Gonzalez), que o ajuda durante a jornada, e os vilões canastrões, típicos de blockbusters americanos. As tramas paralelas, que envolvem a irmã de Victor, uma grávida e um rapaz oriental, se entrelaçam com maestria, fortalecendo, no segundo ato, a proposta inicial da obra.
Um dos êxitos de “7 Caixas” é se permitir trabalhar com os clichês, demasiadamente vistos em outros filmes, mas sem perder sua autenticidade. As substituições são bem pensadas, como a troca de carros de alta velocidade por carrinhos de mão ou a princesa pela plebeia. A revelação do que as caixas do título também acontece no momento certo, potencializando os desafios pelos quais Victor e sua amiga passarão até o desfecho do longa. Há também certa ignorância entre os vilões, que nunca são tão inteligentes como esperamos, ou a controvérsia da polícia paraguaia, também presa a uma sociedade marginalizada, mas que tenta, à sua maneira, resolver os crimes da nação.
O desempenho do ator Celso Franco também é essencial para a funcionalidade da narrativa. Trabalhando com muitos planos psicológicos em seu Victor, Franco transita entre várias facetas do personagem. O roteiro aborda com clareza a ideia de que todo ser humano pode ser corrompido, seja pelo dinheiro ou pelos seus próprios ideais, que muitas vezes são fúteis e fáceis de comprar. Partindo de uma nota rasgada de 100 dólares, que anula o seu valor no Paraguai, os roteiristas deixam claro que eles jogam também com a influência da indústria americana no mundo, seja na metalinguagem desenvolvida pelo filme, seja na espetacularização dos costumes e da cultura da sociedade. Do elenco de apoio, Lali González é a que merece mais destaque por fazer de Liz uma personagem forte, mesmo que nem sempre muito amigável. Por outro lado, os vilões são patéticos e nem sempre parecem tão ameaçadores assim.
Na direção, Maneglia e Schembori realizam um trabalho exemplar, seja com as sequências de ação, muito bem acompanhadas por uma trilha sonora eletrizante e uma montagem que não perde o ritmo, ou quando investem no suspense e no drama. Os cineastas possuem total controle sobre o que pretendem passar para o público, realizando uma película interessante em visual e narrativa. Independente das reviravoltas esperadas, o clímax é capaz de seduzir e fazer aguardar pela cena final. Aliás, a última cena consolida com glória sua proposta inicial.
Após significativa trajetória em festivais internacionais, como o de Lima, Miami, San Sebastian, Toronto e Rio de Janeiro, e da indicação ao Goya Awards como melhor filme ibero-americano em 2013, “7 Caixas” é uma boa surpresa que estreia em circuito limitado no Brasil. Muito bem realizado, o longa diverte e vicia, além de criar uma boa referência ao cinema paraguaio.
Avaliação: 9/10
Texto originalmente publicado no Cinema com Rapadura.