Review | Ninfomaníaca – Vol. II (2013), de Lars von Trier

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Quando a primeira parte de “Ninfomaníaca” foi lançada nos cinemas (leia a crítica aqui),  a provocação de Lars von Trier se voltou às diversas cenas de sexo real. Alguns se decepcionaram por não ser tão polêmica assim, dividindo opiniões e deixando a dúvida sobre o conteúdo artístico inserido no longa. Em “Ninfomaníaca – Vol. II”,  o diretor dinamarquês se estabelece como um dos melhores artistas da atualidade, sabendo se apropriar de boas histórias e mostrando ao que realmente veio.

Sem necessidade de apresentar novamente os personagens após o coito interrompido entre os dois volumes, a trama começa exatamente onde terminou, sendo totalmente necessário ter visto a parte anterior para retornar à narrativa. Agora, Joe (Charlotte Gainsbourg) conta a Seligman (Stellan Skarsgard) uma fase complicada, quando passou pela falta de apetite sexual enquanto tenta constituir família com Jerôme (Shia LaBeouf).

Para tentar “sentir” algo novamente, ela tenta de tudo enquanto o marido está fora a trabalho, desde seduzir seus vizinhos a terapias de sadomasoquismo com K (Jamie Bell). O próprio Jerôme se diz incapaz de alimentar o tesão de Joe, autorizando suas fugas matrimoniais. Enquanto isso, ela também é direcionada a um grupo de ajuda para tratar a abstinência. Seu corpo também começa a reagir após tantos anos de entrega.

Se na primeira parte as exageradas metáforas de Seligman davam o tom para a história de Joe, aqui a relação entre os dois é o principal foco. O roteiro de Von Trier faz até deboches autorreferentes em relação à estrutura da sua própria película, de forma que ameniza o esdrúxulo conhecimento teórico de Seligman sobre o mundo para dar espaço ao crescimento de seus personagens. Aliás, é o Seligman de Stellan Skarsgardque surpreende do começo (meio?) ao fim. O homem pacato também tem seus segredos que virão à tona devido à relação simbiótica com Joe.

Após a performance soberba de Stacy Martin, agora acompanhamos Charlotte Gainsbourg na vida adulta da protagonista. A atriz se tornou musa de Von Trier e prova, a cada filme, a qualidade do seu trabalho. O olhar de Joe sempre revela muito sobre o “transtorno”, dividida entre o prazer e a vida familiar, que exige uma presença que ela parece não estar apta a dar. Joe passa por momentos infernais, deixando de lado a polêmica das cenas de sexo para abrir espaço para a abordagem psicológica e comportamental da personagem na fase madura.

O elenco também ganha o reforço de Jamie Bell na pele de K. A densidade dramática do personagem extrapola seus diálogos e ações, fazendo com que o público imagine como funciona o interior dele. Willem Dafoe aparece como o “mentor” de Joe, enquanto Mia Goth realizando um trabalho exemplar como a jovem P. Infelizmente, nenhum se destaca ao nível de Uma Thurman.

As opções técnicas do diretor também permanecem como na parte anterior, se abstendo mais dos grafismos para não tirar a atenção do que realmente importa. Von Trier não nega que o sexo é o leitmotiv, tendo que passar por ele para contar o que aconteceu no começo da história de Joe. Talvez não precisasse de tantos detalhes para chegar ao ponto dramático que queria, mas o diretor opta por exercitar o lado voyeurístico do espectador. Assim, quando a trama realmente revela suas intenções dramáticas,  a narrativa evolui consideravelmente.

Discorrer sobre qualquer detalhe neste sentido seria spoiler, mas “Ninfomaníaca” muito se relaciona com “Dogville” e a marginalização da sociedade, cheia de falsas condutas, pessoas destruidoras e relações invertidas, além da discriminação do papel feminino. A sensação de impotência, com perdão do termo, frente às situações sem volta elaboradas pelo roteiro são semelhantes ao filme estrelado por Nicole Kidman. O grand finale às escuras, arquitetado com maestria pela cabeça de Von Trier, é épico.

Dessa forma, o desfecho de “Ninfomaníaca” se torna superior ao volume anterior por dar mais atenção ao drama do que ao sexo. É interessante como Von Trier humaniza seus personagens, para em seguida desumanizá-los de maneira crua e objetiva. O cinema que ele faz ainda procura seu espaço entre as grandes plateias, que ainda valorizam muito mais a polêmica do que a narrativa conjunta vista em cena. Ao final da sessão, fica o gosto amargo pelo mundo e a certeza de que o diretor não costuma errar quando escolhe uma história para contar.

Avaliação: 9/10

Texto originalmente publicado no Cinema com Rapadura.

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