Muito se discutiu sobre comédia nacional no Cine PE Festival do Audiovisual desse ano, que aconteceu em abril/maio. O escracho e o machismo, característicos do gênero, algumas vezes são necessários para alcançar as grandes bilheterias, além de um elenco conhecido pelo público. Esses diálogos foram abertos pela imprensa e pelo público do festival, que perceberam em diversas obras em competição formas diferenciadas de fazer humor. O destaque foi a linha adotada pela cineasta Betse de Paula no longa “Vendo ou Alugo”, estrelado por Marieta Severo e Nathalia Timberg, que agora estreia em circuito comercial nacional.
A comédia politicamente incorreta, nenhuma novidade no cinema nacional, se apropria do bom humor negro de Betse para construir as relações da trama. Aqui temos o conflito de gerações e interesses dentro da realidade suburbana carioca, onde é preciso sobreviver à falta de dinheiro e às condições de vida decadentes. O que poderia se tornar um drama social nas mãos de outros diretores, se transforma em uma deliciosa experimentação do gênero pouco vista nos últimos anos nas telonas brasileiras.
O argumento inicial surgiu da escritora Maria Lúcia Dahl e, de 2006 para cá, o roteiro mudou várias vezes, contando com a participação de Julia de Abreu e Mariza Leão, entre outros colaboradores. O enredo se sustenta não somente no elenco renomado que possui, mas principalmente no olhar da diretora, que filma com certo requinte cinematográfico, investindo em longos planos sequências e na dinâmica das câmeras, as desventuras de Maria Alice (Severo), Maria Eudóxia (Timberg), Madu (Bia Morgana) e Baby (Silvia de Paula). Essas mulheres querem vender a casa onde moram para tentar o restabelecimento financeiro, mas não será fácil quando um gringo fajuto está interessado no imóvel apenas pela violência da favela em disputa com um evangélico com o passado obscuro.
O projeto surgiu ainda quando a diretora morava em Brasília, onde se passou seus dois longas anteriores, “O Casamento de Louise” (2001) e “Celeste & Estrela” (2003). Betse estranhava a violência e o uso de armas na maioria dos filmes paulistas e cariocas, e tentou dar outra visão à questão da favela e seus conflitos. Os personagens compõem a mise-en-scène de forma a contemplar discursos atuais, sem perder a piada. E o resultado é uma comédia de situações que fala com propriedade sobre as mazelas da sociedade, com personagens que se relacionam de forma efetiva. Não há pudor nos diálogos, muito menos nos julgamentos levantados, seja sobre o controle religioso das entidades, a falsa segurança dada pela polícia ou mesmo o uso de drogas.
“Vendo ou Alugo” mostra que é possível fazer boas comédias nacionais, que partem de um texto inspirado. Mesmo com o humor rápido, o longa sabe dar seus hiatos dramáticos, essenciais para a construção narrativa. O teor de denúncia está quase sempre subentendido, fazendo com que o público também participe da história e contribua com ela. O elenco, encabeçado pela experiente Marieta Severo, está afiado e não tem medo do ridículo. A naturalidade dos conflitos dessas mulheres e de seus vizinhos contribui para que a trama mantenha o bom ritmo até a projeção, driblando alguns clichês ou dando uma nova cara a eles.
Vencedor de 12 prêmios no Cine PE Festival do Audiovisual desse ano, “Vendo ou Alugo” é uma comédia que tem compromisso com a diversão e se distancia um pouco dos enlatados nacionais focados na bilheteria fácil. O longa mostra uma sociedade que vive de aparências, em constante necessidade de autoafirmação. As temáticas fortalecem a competente direção de Betse de Paula e o trabalho da equipe. Recomendado!
Avaliação: 8/10
Esse filme fez parte da programação do 17º Cine PE – Festival do Audiovisual, em abril/maio de 2013, e a crítica foi adaptada de matéria especial publicada por este autor no Jornal Diário do Nordeste. Texto originalmente publicado no Cinema com Rapadura.